sábado, 26 de junho de 2010

Considerações finais

           Através da pesquisa, foi possível vislumbrar quem eram os espíritas na cidade do Rio de Janeiro nas décadas de 1930 e 1940. Enquanto espírita, supunha que a maioria dos adeptos da Doutrina fosse dos setores médios da sociedade. Pude constatar, através dos livros de registro de médiuns dos Centros situados na Praça XV e em Botafogo que a maioria constituía-se de pessoas pobres, uma vez que eram motoristas, pintores, serventes, costureiras e até lavradores. Obviamente os setores médios e, possivelmente, os mais ricos, também estavam representados. 
            Verifiquei que a maioria dos médiuns das instituições espíritas eram mulheres, ao passo que a maioria dos sócios destes centros fosse constituída por homens, que também ocupavam, geralmente, os cargos diretores. No período pesquisado, os Centros espíritas eram pequenos núcleos que, em sua maioria, não estavam vinculados a nenhuma das duas entidades federativas existentes, a Liga Espírita do Brasil e a FEB. O trabalho ressente-se de não ter coberto a experiência, de maneira mais direta, de algum Centro que não tivesse relações com uma destas federativas. Ainda assim, acredito que muitas das análises formuladas podem ser projetadas nestes, como possibilidades. Mesmo dentro do âmbito das instituições analisadas e recuperando, de maneira mais direta, a experiência de apenas duas, vinculadas à Liga Espírita do Brasil, pode-se perceber as especificidades na vivência dos desafios que se lhes apresentaram. Uma teve a sua sede fechada, no Centro da cidade, e a outra estava em processo de formalização de sua existência junto às autoridades policiais.
            O contato com os livros de atas do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor e do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança foi a maneira possível de conhecer por dentro o cotidiano destas instituições, ainda que o dia a dia das reuniões públicas dos Centros não seja descrito. Não faziam atas para suas reuniões públicas descrevendo as situações vividas. Entretanto, nestes livros de atas, nos momentos decisórios para esses núcleos, os problemas e os projetos eram discutidos, às vezes de maneira muito discreta, escolhendo palavras para não impactar ou causar má impressão, principalmente, acredito, devido a presença de investigadores e policiais que participavam das Assembléias Gerais e que poderiam ter acesso aos demais documentos institucionais.
            Causou-me espanto verificar que a Liga Espírita do Brasil possuía maior representatividade junto aos Centros espíritas da cidade do Rio de Janeiro do que a FEB, como eu supunha. A FEB, entretanto, segundo o apurado no Relatório sobre as forças religiosas no Brasil, possuía maior número de Centros filiados nos demais Estados da Federação no mesmo período.
            Desconhecia, por completo, qual o caminho histórico de constituição da Liga Espírita do Brasil. A formulação de uma Constituição Espírita, bem como da Assembléia Espírita do Brasil também foram uma novidade que ignorava por completo. Na pesquisa, pude perceber um número significativo de referências por parte do jornal Mundo Espírita, já presente na década de 1930, à Liga Espírita do Brasil. Acredito que possa constituir-se numa importante referência para a recuperação da história desta entidade federativa. Porém, na Biblioteca Nacional, existem exemplares apenas a partir de 1945. Será que existem alguns exemplares deste jornal em algum Centro espírita da cidade do Rio de Janeiro? Na imprensa “leiga”, haveria alguma informação quanto à atuação desta Assembléia Espírita, ou o conteúdo desta Constituição Espírita? São possibilidades de desdobramento que esta pesquisa apontou. O acervo do CEERJ, no primeiro semestre de 2009, estava desorganizado. Procurei, avidamente, por livros de atas de assembléias gerais e reuniões de diretoria realizadas nas décadas de 1930 e 1940, mas infelizmente não encontrei. Encontrei, se não me trai a memória, livros de atas apenas de meados da década de 1950 em diante.
            Não imaginava encontrar, no Código Penal de 1890, criminalizando, de maneira explícita, o Espiritismo, o que não acontece no Código de 1940. Aliás, surpreendi-me com a anterioridade da repressão as práticas dos espíritas. Pensei que se situariam, apenas, nestas duas décadas. Ela não só foi anterior, como persistiu no tempo, diminuída, porém intimidadora, até meados da década de 1960. Recordo-me do dia em que comecei a pesquisa no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança. Inicialmente, o Sr. Manoel, Diretor de Patrimônio da instituição, mostrou-me o ofício de 5 de Janeiro de 1963, da Delegacia de Costumes e Diversões, de sua Sub-Seção de Repressão a Entorpecentes. “Por essa eu não esperava”, pensei. E a partir deste ofício, encontrei nos livros de atas referências dispersas de situações semelhantes depois de 1945 até 1966. Será que alguma instituição espírita sofreu ação mais direta das autoridades policiais em período posterior a este da pesquisa? Penso que o trabalho de Emerson Giumbelli mapeou aspectos importantes da repressão até o período que pesquisei. O período seguinte está aberto a possibilidades, inclusive pela disponibilidade de materiais institucionais. O número de Centros espíritas aumentou com o tempo e, além disso, acredito que existam, no CEERJ, materiais que contemplem o período. A imprensa espírita, disponível na época, também deve oferecer elementos para a recuperação desta experiência.
            Instigou-me a experiência da médium Izabel, presa pela Polícia em 1943 em flagrante por estar aplicando passes. Até onde foi possível acompanhar, as autoridades interessadas em puni-la conseguiram reativar seu inquérito, provavelmente transformando-o em processo judicial. A ocorrência influenciou a Liga Espírita do Brasil a recomendar a suspensão da aplicação de passes nas reuniões públicas de suas instituições agregadas no início de 1944. Teria a imprensa continuado a acompanhar o caso? O Reformador e os demais periódicos espíritas então existentes teriam registrado os desdobramentos do ataque à Izabel? Gostaria de ter conseguido apurar mais informações sobre o promotor Alcides Gentil que, à época, tomou a defesa da médium, o que já fizera com o caso do médium da Tenda Espírita São Jerônimo. Sua atuação posterior teria sido coberta pela imprensa? Como era visto pelos espíritas e pelos meios jurídicos?
            Na pesquisa foi possível, também, perceber que, a despeito da repressão dirigida a um ou outro médium, o foco principal das autoridades policiais passou a ser os Centros espíritas e suas atividades. As medidas adotadas geraram diferentes embaraços aos espíritas: Submeter-se a registros na Polícia, terem seus antecedentes políticos e criminais devassados, se desejassem ser diretores. Além disso, se estivessem na condição de médiuns, para exercerem suas atividades tinham que conseguir um atestado médico assegurando que possuíam condições físicas e psicológicas para viverem suas crenças. E todos esses registros, legalizações e atestados custavam dinheiro. E os Centros mantidos por pessoas pobres, como ficavam? Muitas vezes, na clandestinidade, funcionando sem existência jurídica, o máximo que podiam. Quando não dava mais, podiam fechar. Às vezes provisoriamente, até levantarem os recursos necessários às formalidades exigidas, além da ajuda de pessoas com mais instrução escolar. Às vezes em definitivo.
             A pesquisa apontou-nos que alguns espíritas assumiram as avaliações negativas das autoridades policiais contra o chamado “baixo Espiritismo”, praticamente endossando-as. Se as autoridades policiais, através das medidas que adotaram, buscaram asfixiar as instituições espíritas mais modestas, portanto de pessoas pobres, estes espíritas parecem, pelo menos, fazer vistas grossas ao que sofriam aqueles que eles desqualificavam, muitas vezes, os mais pobres também, como é possível observar no artigo do médico Luiz de Góes. Parece-nos que a medida contou, pelo menos, com o silêncio da FEB. “Um irmão é maltratado e vocês olham para o outro lado? / Grita de dor o ferido e vocês ficam calados? / A violência faz a ronda e escolhe a vítima, / e vocês dizem: "a mim ela está poupando, vamos fingir que não estamos olhando”[1], já disse Bertolt Brecht em um de seus poemas. Estas considerações merecem melhor aprofundamento em possíveis pesquisas posteriores.
            Pode-se notar, na pesquisa, que alguns jornais diários cariocas, como A Vanguarda e o Diário de Notícias, ofereciam um espaço importante para os espíritas manifestarem suas opiniões, além de oferecerem cobertura a alguns de seus eventos. As referências surgem nos materiais analisados, bem como na bibliografia. Em 2009, a Biblioteca Nacional não estava disponibilizando os exemplares de A Vanguarda por questões de espaço e organização do acervo. Quanto ao Diário de Notícias, não tenho maiores informações. Acredito que eles podem oferecer informações importantes para a análise das experiências dos espíritas na cidade do Rio de Janeiro.
Que nos nossos tempos e no futuro situações semelhantes não ocorram de forma alguma. E se eventualmente estes episódios insinuarem-se, maliciosos, diante de nossas vistas, que tenhamos a coragem moral de combatê-los, em nome da humanidade de que somos portadores. Desejo que o presente trabalho possa reforçar naqueles que o lerem a defesa por um dos bens mais preciosos para os seres humanos, a liberdade, “essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda!” [2]


[1] BRECHT, Bertolt. “Ah, Desgraçados!”. Disponível em: http://www.biografia.inf.br/bertold-brecht-dramaturgo.html Último acesso em 22 de Junho de 2010.
[2] MEIRELLES, Cecília. “Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência.” Disponível em: http://www.releituras.com/cmeireles_romanceiro.asp Último acesso em 22 de Junho de 2010.

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