sábado, 26 de junho de 2010

Capítulo 3 – E os espíritas resistem

Não foram poucas as tentativas dos aparatos estatais de estabelecerem formas de controle, vigilância e repressão às atividades dos espíritas. Da parte destes, entretanto, também não faltaram estratégias para lidar com as diferentes situações colocadas pela atuação das autoridades. Resistiram na medida do possível. Quantos Centros espíritas podem ter encerrado suas atividades de maneira definitiva? Não sei calcular. Ainda assim, vários conseguiram sobreviver àquelas medidas mais contundentes, estudadas no capítulo anterior.
            Pude perceber, em diferentes momentos, por parte de algumas das instituições analisadas uma demora no atendimento às exigências formuladas pelas autoridades. No Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, em sua reunião de Diretoria, realizada em 16 de Março de 1943,
o senhor Presidente, novamente com a palavra, fez novamente ressaltar a questão dos médiuns, pedindo aos seus companheiros de Diretoria para que façam observar rigorosamente as determinações emanadas de fonte superior. Assim, desta data em diante, não mais deverão trabalhar em nossa mesa os médiuns que não se acharem inscritos no respectivo livro, registrado na Polícia. Sobre este assunto, o Senhor Diretor dos Trabalhos Espirituais acrescentou que, para os médiuns em desenvolvimento, já estão sendo distribuídos cartões de identidade, sem os quais as pessoas que se estão desenvolvendo não serão admitidas aos respectivos trabalhos. [1] 

Viviam-se, então, os meses seguintes a Portaria 8.363, de 22 de Setembro de 1942 que, dentre outras medidas, exigia a elaboração do Livro de Registro de Médiuns que atuassem nas reuniões mediúnicas. Neste Centro, esse livro foi organizado em 16 de Janeiro de 1943, conforme seu termo de abertura. [2] Fundado poucos dias antes da publicação da Portaria, o Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança dera entrada em sua legalização, dois meses depois, provavelmente no mês de novembro. Então, durante dois meses, entre a elaboração do Livro de Registro de Médiuns (16 de Janeiro de 1943) e a decisão da Diretoria (16 de Março de 1943), pessoas que não estavam registradas como médiuns do Centro junto à Polícia participaram sem restrições das suas reuniões mediúnicas. E a situação dos “médiuns em desenvolvimento”, que participavam também de atividades mediúnicas? O texto da Portaria policial não faz distinção entre os médiuns desenvolvidos ou não. Entendo assim que, para as autoridades, quem participasse da reunião mediúnica, ainda que em desenvolvimento de suas faculdades, era médium. A instituição conseguiu, dessa forma, fazer com que tomassem parte nas atividades, ao menos os identificando. Além disso, ao que parece, o Centro funcionou sem receber visita das forças policiais. No entanto, naquele momento seus diretores avaliaram os riscos e resolveram pela proibição. Na reunião de Diretoria realizada em 7 de Janeiro de 1943, ao tratarem da regularização,
o senhor Antonio Corrêa Villela, Procurador, pede informações acerca da confecção do “Registro de Médiuns”, livro esse que será, também, oportunamente, remetido às autoridades competentes, para os devidos fins, depois dos médiuns constantes do referido registro serem examinados – de acordo com as exigências legais – por um médico. Em vista das formalidades que se reveste o “Registro dos Médiuns”, tais como fiscalizações, atestado médico e outras, resolveu-se que sejam inscritos, por hora, apenas os seguintes médiuns, que vêm desde o princípio prestando o seu desinteressado e valioso concurso neste Centro [...] [3]

            Foram citados oito nomes, seis mulheres e dois homens. Quantos mais teriam participado das reuniões durante este período, sem estarem aí inscritos? Outra medida salta aos olhos: escolhendo registrar alguns, pouparam-se de uma despesa maior, caso fossem legalizar todos. Como deve lembrar o leitor, o presidente pagou a despesa de regularização do Centro com seus próprios recursos. Não tenho elementos para medir a eventual variação do custo se registrassem mais médiuns. Se na ocasião a Diretoria da instituição deliberou que não deveriam registrar todos é porque certamente devem ter medido o impacto que isso lhes causaria em termos de custos. Além dos oito médiuns registrados, o Centro possuía mais 39, conforme uma relação de novos médiuns[4]. Seriam estes os médiuns em desenvolvimento? Ao que parece, sim. Possivelmente devem ter sido alguns destes os participantes impedidos de atuarem sem o registro. A legalização destes, pelo que entendi, deve ter sido feita no ano seguinte, em 1944. Eis o que consta no Livro de Registro de Médiuns: “Atesto que todos os médiuns, (ilegível) é, todos os nomes constantes nas páginas deste livro, foram por mim examinados, e tendo sido constatado perfeito estado de sanidade física e mental, podendo os mesmos ingressarem no círculo de experimentações psíquicas.” [5] Assinado pelo médico já mencionado, em 10 de Janeiro de 1944. Ou seja, durante um ano, os participantes do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança tiveram tempo de se organizar para darem conta das exigências policiais.
            O Centro Família Espírita (Fé) foi fundado em 12 de Dezembro de 1932[6] localizado no Centro da cidade. Seus estatutos, entretanto, foram registrados em 5 de Março de 1937, pouco mais de quatro anos depois. Vale recordar que em 1934 começam a surgir as exigências quanto ao registro na polícia das instituições espíritas, sendo que em 1936 novamente é reforçada, nos moldes de uma campanha. Acredito então que este Centro tenha passado este período sem preocupações maiores quanto à legalização de suas atividades junto aos aparatos estatais. Quando a situação começa a ficar mais difícil, quando as exigências começam a se multiplicar e eventualmente alguns começam a sofrer alguns efeitos do controle policial que se pretendia exercer, procuram encaminhar a formalização da existência jurídica da instituição.
O Centro Espírita Guia, Luz e Esperança, do Rio Comprido, na sua carta de agregação à Liga Espírita do Brasil, junta a Ata n° 1 de sua Assembléia Geral. Realizada em 2 de Outubro de 1942, poucos dias depois da Portaria 8.363, os sócios da instituição tinham como primeira finalidade a aprovação de seus estatutos e a eleição de sua nova diretoria. Além disso, “o irmão João Ferreira pede a palavra e propõe que o Centro se filie à Liga Espírita Brasileira. Posta em votação é aprovado unanimemente que o Centro proceda a sua filiação a Liga Espírita Brasileira, ficando a diretoria eleita com plenos poderes para isso.” [7] Chamou-me atenção esta ter sido a primeira ata de uma assembléia de associados, uma vez que este Centro foi fundado em 18 de Setembro de 1916, vinte e seis anos antes! No boletim de informações para agregação à Liga consta que estavam registrados na Polícia. Entendo que anteriormente o Centro deveria ter um quadro diretor, ainda que não formalizado. Em diversos momentos desta ata, menciona-se a presença do presidente da instituição, que se mantém no cargo com a nova eleição. Estatutos poderiam existir, ainda que não legalizados. Não foram transcritos na ata desta reunião, ainda que lidos e aprovados, como já vi em outras situações. Assim, aproveitando-se uma reunião, elegeram a diretoria e aprovaram os estatutos do Centro, ambas as medidas necessárias para os trâmites de legalização exigidos pela recente Portaria Policial. Além disso, declaram a vontade de filiarem-se à Liga Espírita do Brasil, que lhes poderia oferecer algum suporte em termos de orientações jurídicas.
 Geraldo Carlos da Silva, que assina como presidente do Grupo Espírita Santíssimo Nome de Jesus, envia correspondência a Aurino Souto, então presidente da Liga Espírita do Brasil. Era a primeira quinzena do mês de Outubro de 1942, ainda sob os efeitos da recente medida policial. Buscava então “uma orientação sobre o que devemos fazer em face da portaria do Exm. Snh. Coronel Alcides Gonçalves Etchegoyen, chefe de polícia [...]”.[8] Localizado no bairro de Cavalcante, seu presidente procura, com dificuldades, fazer um histórico da sua instituição. A carta não nos ajuda. Está danificada em boa parte de sua lateral. Algumas palavras se perdem. O Centro reunia-se três vezes por semana, mas receosos quanto à Portaria, mantiveram apenas um encontro, o de estudos:
Este Grupo apezar de não estar com seus Estatutos legali(zados), de acordo com as leis, por não dispor de sociedade, mas é desejo nosso registralo, tanto é que já estamos providenciando e já foram organisado(s os) Estatutos pelo nosso confrade F. Américo de Carvalho, quem está confiado (o) mesmo registro. [9]

            Nota-se o esforço de alguém com pouca instrução formal em formular uma carta solicitando esclarecimentos a quem considera com mais possibilidades para auxiliá-los. Não consegui recuperar a data de fundação do Centro, que foi até mencionada na carta, porém na parte danificada. Em todo caso, o Centro estava funcionando, até então, sem constituir formalmente uma sociedade. A medida estatal mais contundente fez com que considerassem a necessidade de regularizar a situação legal do Centro. Não lhes seria um caminho fácil e “para este fim estamos providenciando a importâncias para est(e) mister, por meio de donativos, só por esse meio esperamos compretar nossos esforsos em plór do Espiritismo.” [10] Nem todos tinham alguém em seus quadros com disposição ou possibilidade de arcar com as despesas que se faziam por conta das exigências policiais. Muitas instituições faziam campanhas para arrecadar fundos, a fim de atenderem aos seus projetos de assistência, aos seus anseios de adquirirem uma sede própria... Agora a campanha era para que se mantivessem em funcionamento. A existência material corria riscos. Em 17 de Outubro de 1942, num despacho manuscrito no verso da carta, o presidente da Liga Espírita comunica ao seu primeiro secretário que a pessoa designada pela instituição que pede esclarecimentos, Américo de Carvalho, já estaria orientado quanto ao modo de proceder para a regularização do Centro.
            Junto à solicitação de agregação do Centro Espírita Coração de Jesus, localizado no bairro do Rocha, consta uma carta manuscrita, dirigida mais uma vez ao presidente da Liga Espírita do Brasil, de 11 de Março de 1945, com a intenção de
agradecer ao confrade, pela orientação dada a minha pessoa na ocasião em que procurei a Liga para que o Grupo Espírita Coração de Jesus legalizase a situação de diretores e médiuns na polícia hoje com a graça de Deus e a boa vontade do comfrade, está este grupo devidamente legalizado perante as leis, embora este não seja agregado Liga foi-nos prestado sem qualquer interesse e inteiramente gratuito todas as informações precisas. [11]

            Assinada por Geraldo C. Silva, como presidente do Centro. Ao que parece, o mesmo indivíduo que presidia a instituição anterior. Mais de uma vez recorreu à Liga Espírita para socorrer-se quanto às medidas a serem adotadas. E obtivera auxílio em ambas as ocasiões. Pelo que se depreende também, não existia a necessidade do Centro estar agregado a ela para que merecesse auxílios na forma de esclarecimentos. Este outro Centro, fundado em 6 de Novembro de 1938, em sua reunião de Diretoria de 6 de Janeiro de 1943 decide suspender as atividades da instituição em função da Portaria que fora publicada há pouco mais de dois meses. Assim, elencaram como suas necessidades:
1) obtenção de uma casa apropriada, ficando os sócios diretores na obrigação de procurá-la; 2) dispor o Centro de determinada importância a título de fiança para o novo aluguel; 3) oficiar a Chefatura de Polícia, comunicando a deliberação dos trabalhos, informando àquela autoridade que durante o período abrangido pela suspensão dos trabalhos, ficará o Centro sob as guardas de um casal, até ser reaberto. [12]

            Na mesma reunião, deliberou-se a agregação à Liga Espírita do Brasil, o que faz supor que já mantinham contatos com esta anteriormente, onde é possível que tenham prestado os esclarecimentos necessários à regularização do Centro. As atividades foram suspensas para adequarem-se ao exigido pelo texto policial e, pelo que se pode deduzir da carta enviada em 1945, conseguem retomar suas atividades, provavelmente em outro endereço. O tempo que levou isso... Não sei.
            Além destes dois casos vale recordar que alguns Centros espíritas afetados mais diretamente pelas exigências formuladas pela Portaria 8.363 de Setembro de 1942 enviaram correspondências à Liga Espírita do Brasil a fim de comunicarem a interrupção de suas atividades, ocasião em que, muito provavelmente, podem ter solicitado ajuda para o desafio que viviam. Não consegui recuperar outras correspondências no Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro, mas suponho que existam dispersas pelo seu acervo.
Cheguei nesta instituição federativa a partir das constantes referências a circulares desta Liga que encontrei nas atas do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor. Na Reunião de Diretoria realizada em 12 de Fevereiro de 1941, quando tratavam das respostas às correspondências recebidas, naquilo que chamavam de “expediente”, mencionam uma “Circular da Liga Espírita do Brasil chamando a atenção dos grupos espíritas para o que extatui o novo Código Penal Brasileiro, nos seus artigos: 282, 283 e 284. – Agradeça-se e arquive-se.”[13] No início de 1942 entraria em vigor o texto desta lei e pouco menos de um ano antes já estava sendo provavelmente analisada, discutida e divulgada entre os espíritas. Alguns meses depois, ao reunir-se novamente a Diretoria deste Centro, em 13 de Agosto de 1941, registram uma “Circular da Liga Espírita do Brasil convidando para a inauguração do consultório jurídico e o colocando a disposição dos grupos filiados.”[14] Além do novo Código Penal que se delineava, neste ano viveram a experiência do fechamento de suas instituições a partir de uma Portaria policial de Abril de 1941, cujo número não consegui recuperar. No texto, são formuladas exigências quanto a informações oriundas de diferentes órgãos de Polícia, para a autorização do funcionamento dos Centros. Acredito, então, que tenha havido demanda por esclarecimentos junto à entidade a que estavam filiados os Centros espíritas. Penso que com relação a FEB, que guardava as mesmas características da Liga, tenha se dado movimento de procura semelhante.
Pouco mais de um mês depois da medida policial de Setembro de 1942, a Diretoria do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor reunida novamente em 11 de Novembro de 1942, registram mais uma “circular da Liga, dando instruções, sobre os passos a serem dados, sobre a portaria do chefe de Polícia, sendo a mesma levada em consideração e executado.” [15] Em um mês os integrantes da Liga formularam orientações a respeito do assunto e as divulgaram entre os seus filiados. Acredito que entre os Centros também houvesse trocas de informações quanto às estratégias a serem adotadas diante das exigências que se colocavam. Uma delas, que não era nova, era a instituição de um quadro de zeladores que teria como função fiscalizar o cumprimento das ordens da Polícia, de acordo com as orientações da Diretoria do Centro. Em 1936 verifiquei que algumas pessoas no Grupo de Caridade foram encarregadas desta tarefa. Encontro novamente a referência sobre esta atribuição em Janeiro de 1943, numa reunião de Diretoria. Um mês depois, agora na reunião de Diretoria do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança, o Diretor dos trabalhos espirituais “sugere a nomeação do senhor Francisco Barbosa para o cargo de zelador, sugestão essa aceita por unanimidade.” [16] Nesta instituição, a orientação para a criação do cargo de zelador não partiu da Liga Espírita do Brasil, uma vez que estes decidiram apenas em Março de 1945 pela agregação à entidade federativa. Algumas informações poderiam circular sem terem emanado diretamente das entidades federativas.
            A Liga Espírita do Brasil, pelo que notei a partir da leitura das referências às suas circulares, estava preocupada com os possíveis desdobramentos dos artigos do Código Penal, que entraria em vigor em 1942, particularmente com o enquadramento das práticas espíritas. Ao tratar do crime do “curandeirismo”, no seu artigo 284, o texto da lei era de uma vastidão que poderia contemplar muitas práticas, inclusive não espíritas. Evidente que numa situação onde se percebia interesse da parte das autoridades no sentido de controlarem, vigiarem e, eventualmente reprimirem as atividades doutrinárias dos adeptos do Espiritismo, não é de se estranhar que estivessem prevenindo-se.
No Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, em sua reunião de Diretoria realizada em 23 de Outubro de 1941, os diretores assinalam que receberam notícias dos “entendimentos havidos com as autoridades policiais que superintendem o serviço de fiscalização dos Centros espíritas, com relação aos passes espíritas e à distribuição de água fluída [...].” [17] Acredito que existisse o receio de que estas práticas fossem enquadradas como crime de curandeirismo. Novamente estamos reféns das poucas palavras do elaborador da ata da reunião. É possível que nas comunicações escritas com as instituições espíritas os membros da Liga Espírita fossem mais descritivos nos assuntos de interesse que tratavam. Mas como quem escreveu a ata sabia do que vinha acontecendo... Uma breve referência lhe bastou.
            Flamarion Costa transcreve uma correspondência da Liga Espírita ao então Chefe de Polícia do Distrito Federal, Filinto Müller, de 27 de Dezembro de 1941. Afirmando ter a responsabilidade de “estudar as leis do País, para informar às sociedades espíritas filiadas ao seu organismo federativo quais as suas obrigações junto aos Poderes Públicos”, [18] o seu presidente Aurino Souto solicita esclarecimentos de ordem jurídica quanto à aplicação que se deveria dar aos artigos 282, 283 e 284 do novo Código Penal que entraria em vigor. Segundo ele, faziam isso “em face da prática religiosa observada nos Centros Espíritas, desde que o Espiritismo é professado no Brasil, de distribuição de passes e água fluida aos freqüentadores das sessões espíritas.” [19] Vale observar que invocando a condição de religião e situando-se no mesmo campo que a Igreja Católica, buscavam colocar-se sob a proteção do dispositivo constitucional que assegurava a liberdade religiosa. Assim, no desejo de “agir sempre em harmonia com as leis que nos regem e aconselhar suas agregadas a assim procederem”, [20]o seu presidente, Aurino Souto, formula duas perguntas. A saber:
1° - Se a prática religiosa adotada nos Centros e Grupos Espíritas, de passe e água fluida, a exemplo da água benta e dos gestos da benção, incenso e outros rituais, da Igreja Católica Romana, pode ser considerada transgressão aos dispositivos citados, do Novo Código Penal, quando esta não tem por objetivo o tratamento ou meio de curar criaturas enfermas, mas sim é aplicada a todos, indistintamente, que a ela queiram submeter-se?
2°. - E, finalmente, se esta Entidade pode continuar a adotar a referida prática e aconselhar às suas células constitutivas a que procedam do mesmo modo, sem receio de serem incomodadas pelas autoridades encarregadas de zelar pelo cumprimento das leis. [21]

            Termina a carta com o clássico “espera e pede deferimento.” Inteligente a argumentação utilizada pelo então presidente da Liga Espírita do Brasil. Na sua primeira pergunta, ao comparar as práticas espíritas citadas com aquelas do Catolicismo buscou torná-las legítimas perante as leis, já que as da Igreja gozavam de aceitação social e não sofriam qualquer tipo de embaraço legal. Colocou o Chefe de Polícia num dilema. Se ele respondesse positivamente, alguns, espíritas ou não, poderiam também considerar as práticas Católicas como sendo curandeirismo. Respondendo negativamente, embasaria a argumentação dos espíritas de maneira favorável a estes, na defesa dos passes e da água fluidificada. Ressaltando a não intenção da cura, mas colocando-as, todas, como práticas religiosas muito semelhantes a que todos submetiam-se livremente, objetivava afastar as ameaças de exercício ilegal da medicina e charlatanismo, pela não referência a pagamentos.
 
Filinto Müller
            A resposta não tardou. Em letras maiúsculas e economizando nas palavras, no dia 19 de Janeiro de 1942 Filinto Müller responde: “NADA HÁ QUE DEFERIR EM FACE DO QUE ESTATUE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA”.[22] Disse tudo e não disse nada! Simplesmente furtou-se à resposta do dilema proposto pela Liga Espírita do Brasil. Não quis fazer uma interpretação jurídica daqueles artigos. Mas não menciona o Código Penal, e sim a Constituição. Mas qual a referência especifica à Constituição? Ao Art. 122, inciso 4 onde se lê que “todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e dos bons costumes”? [23] Ou ao seu inciso 9 que postula “a liberdade de associação, desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes.” [24] Será que o problema estaria nos “bons costumes?” Que “bons costumes” seriam estes? Poderiam ou não os espíritas continuar suas práticas? A intencional abrangência de certas leis amplia o foco da repressão, porque permite a inclusão de um maior número de práticas, de acordo com o interesse e o momento.
E a Liga Espírita do Brasil, como teria orientado suas instituições agregadas? Parecia que estava otimista quanto à resposta positiva. Na reunião de Diretoria do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, realizada quatro dias antes da resposta do Chefe de Polícia, a ata registra uma “carta da Liga Espírita do Brasil, sobre a prática de Passes e Águas Fluídicas podendo ser praticadas até segunda ordem das autoridades.” [25] Naquele momento, estavam confiantes na possibilidade de prosseguirem nas suas práticas, ainda que tivessem consciência de que, em algum momento, a situação poderia mudar. Penso que aqueles primeiros contatos com as autoridades policiais, de natureza informal (diálogos, quem sabe?), não os tenham satisfeito, por completo, sentindo a necessidade de formalizarem por escrito, o que fizeram no final do ano. Quem sabe se a confiança que depositaram na argumentação utilizada não tivesse origem em idéias que estavam sendo discutidas pelos espíritas com juristas, naquele momento? Somente em 16 de Março de 1944 encontrei, ainda uma vez nas atas de reuniões de Diretoria do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, a referência a uma “circular da Liga Espírita do Brasil, solicitando a suspensão dos Passes Espíritas.” [26] Portanto, durante praticamente dois anos os passes não sofreram recomendação alguma quanto à sua suspensão, ainda que algumas pessoas, como vimos, tenham sido enquadradas nos rigores da lei durante este período. O que teria acontecido no início de 1944 para que a situação mudasse? Um caso de repercussão pública, analisado mais adiante, volta à cena. Emerson Giumbelli menciona que “duplamente acuada pelo novo código penal e pelas determinações policiais, a FEB suspendeu, na segunda metade de 1942, os serviços de ‘receituário mediúnico’ e de ‘aplicação fluídicas’, alegando evitar o fechamento da instituição e obediência a ‘orientações espirituais’.” [27] Adotou, assim, postura mais cautelosa, receando provavelmente alguma ação policial ou jurídica mais dura.
            Suspender ou proibir algumas práticas no interior das instituições não foi uma medida circunscrita à FEB. Somado a isso, os espíritas desenvolviam uma estratégia de ocultação de algumas atividades que desenvolviam, por provisórias que fossem. Na Assembléia Geral dos sócios do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, realizada no dia 17 de Setembro de 1936, solicitaram o parecer do doutrinador
sobre a forma que daremos futuramente aos casos em que haja necessidade de medicar algum paciente, pois não tendo o nosso Grupo, médium receitista ou curador e não sendo essa a finalidade do nosso Grupo, pelo menos até a presente ficou resolvido de comum acordo que quando haja necessidade serão levadas as informações (nome, idade, etc) para a Federação Espírita para a qual devem ser levados todos os pedidos de medicamentos para obter-se a receita. [28]

            Já se vivia então, de maneira um pouco mais intensa, os controles dos aparatos policiais. Possivelmente conscientes das dificuldades que poderiam decorrer de adotar-se a prática da receita e prescrição de medicamentos, naquele momento resolvem encaminhar para a FEB aquelas informações consideradas necessárias para o receituário mediúnico, procurando se eximir da responsabilidade. Acredito que na instituição houve procura pelo serviço. Penso que algum médium pode ter fornecido alguma receita, sendo a resolução tomada na reunião fruto dos receios oriundos de uma primeira ação. Estabelecendo uma norma, seria mais fácil cobrar posturas dos médiuns participantes. Na reunião da Diretoria desta instituição, realizada em 12 de Janeiro de 1939,
o Irmão Presidente com a palavra, faz referências ao nosso médium Germano (Ferreira) Duarte, o qual vem, de há uns tempos a esta parte trilhando em caminho fora de acordo com o regulamento da nossa casa. Depois de alguns debates resolveu-se chamar o referido sr. para explicações. Fica, outrossim, proibido terminantemente, o receituário médico em nosso Grupo, visto os graves inconvenientes que de ai podem advir. As receitas pedidas podem, entretanto, ser encaminhadas por nosso intermédio à Federação Espírita Brasileira ou ao Sr. Ignácio Bittencourt. [29]

            Um médium fornecendo receitas, fugindo àquilo que fora estabelecido há alguns anos antes, numa reunião dos sócios do Centro espírita. Formalizam novamente, agora numa reunião de Diretoria, a proibição do fornecimento de receitas, em função dos problemas que poderiam ter, avaliados como graves. Continuariam, entretanto, encaminhando a demanda que lhes surgisse à FEB ou ao médium que já fora enquadrado duas vezes pelas autoridades por esta prática? Acredito que os diretores desta instituição não quiseram tratar do assunto em uma assembléia geral, como fizeram anteriormente, em função da presença, nestas reuniões, de um representante da Delegacia de Ordem Política e Social, receosos de sofrerem alguma sanção por parte das autoridades. Como na reunião de Diretoria não havia essa presença, poderiam deliberar com mais liberdade sobre assuntos mais espinhosos. É possível pensar, ainda, que essa argumentação visasse demonstrar ao investigador que o Centro preocupava-se em seguir as leis vigentes.
            Os espíritas não deixaram de manifestar-se publicamente, através da imprensa, sua insatisfação com algumas perseguições sofridas por seus pares. Através de alguns recortes de jornais dos acervos do Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança e do Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro, foi possível ter acesso à argumentação utilizada por eles, além da solidariedade demonstrada àqueles que sofreram “inconvenientes” de maneira mais dura. Antonio Lima, num destes artigos, afirma que “Inácio Bittencourt foi a ovelha que os lobos acabam de atacar.”[30] Além disso, refere-se à primeira experiência difícil do médium, quando este fora preso anteriormente, ocasião em que obteve a anulação do processo. Para o autor, o que o médium fazia era simplesmente
[...] indicar, e não receitar, medicamentos communs à venda nas pharmacias homoeopathicas, que qualquer pessoa pode adquirir independente de receita.
Receitar é prescrever medicamentos com dosagens allopathas com combinações de tóxicos diversos, alguns perigosos, que só os médicos conhecem, e que o boticário só prepara deante do nome do facultativo. Nada disso faz o médium espiritista, e então não pode, sem má fé, ser considerado um infractor das leis de salubridade. [31]

            Interessante a estratégica distinção defendida pelo articulista entre “indicar” e “receitar”, ressaltando ainda a diferença de natureza dos medicamentos homeopáticos, comprados livremente nas farmácias, daqueles da alopatia. Ele estava seguro que o perseguido médium “tornaria a indicar remédios aos desprezados dos médicos, aos desprezados da felicidade que o mundo materialista não possue [...].”[32] Ricardo Pinto, no seu artigo “Crime de fazer bem...”, também entende que os médiuns apenas aconselhavam o emprego de determinados medicamentos homeopático já compostos. Para ele, “os doutores matriculados não vêem com olhos cordiaes a concorrência dos que tratam de graça e sem alarde [...]. E a escassez de clientela, tocando no bolso, representa o argumento imperativo do interesse.”[33] Indalicio Mendes, num artigo de 30 de Maio de 1937, publicado no Diário de Notícias e intitulado “Dois mil annos de atrazo espiritual...” entende que “Inácio Bittencourt é o menos atingido pelo golpe pretoriano. Aquelles que o procuravam, cheios de esperanças, porque sabiam não ser infrutífera sua caminhada, é que sentem a enormidade da violência exercida contra sua obra.” [34] Em comum, ressaltavam o prejuízo causado àqueles que seriam os maiores prejudicados pela prisão do médium, os que o procuravam, muitos dos quais não possuíam condições de arcar com despesas médicas. No artigo “O benemérito Inácio Bittencourt”, seu autor, que assina com o pseudônimo “Chrysanthème”, é incisivo quanto à prática dos médicos:
Não há dúvida, de que, existindo médicos formados e cheios de sciencia, elle, o benemérito dos pobres, dava a impressão de lesal-os na bolsa e na sabedoria. [...] A medicina é, sem contestação possível, um sacerdócio, mas um praticado, de muito dinheiro e de muitos cartões de entrada, comprados á porta do sagrado gabinete por Mercúrios de ambos os sexos. Na saleta do caritativo Inácio Bittencourt, o amparo, a receita, o remédio não eram pagos. [35]

            A eventual “concorrência” que a prática do receituário mediúnico faria à atividade médica oficial era o argumento alegado pelos espíritas como o verdadeiro motivador das perseguições sofridas.
            Alguns anos depois, em 4 de Julho de 1943, numa publicação a pedido no Diário de Notícias, foi transcrito um despacho do Promotor de Justiça Alcides Gentil, sobre a prisão de um médium na Tenda Espírita São Jerônimo, enquadrado no crime de curandeirismo. O primeiro elemento que ele aponta como uma falha do texto da lei é o não enquadramento daqueles que procuram o suposto curandeiro. Não enxerga diferenças, também, “entre as virtudes milagrosas de um ‘passe espírita’ e as da ‘água benta’ da liturgia católica” [36], idéia, aliás, muito parecida com aquela utilizada pelo presidente da Liga Espírita do Brasil na consulta que fizera com o Chefe de Polícia sobre a prática dos passes e da água fluidificada. Prendendo-se às provas elencadas nos autos do processo que analisa, não classifica o ocorrido como crime de curandeirismo, porque o evento se deu no interior de uma instituição religiosa, tratando-se de “ato ligado a determinada crença.”[37] Receitar chá de abacate, no seu entendimento, não era ofender a ciência médica. Além disso, “atender à fiéis, sem o intuito de remuneração (fls. 4) equivale, sem dúvida, a dar uma assistência espiritual muito mais generosa que aquele que cobra, a dinheiro de contado, a missa, o batismo, ou a encomendação dos mortos.” [38] Associando o ato realizado pelo médium ao exercício de sua crença e ressaltando a gratuidade do feito, o Promotor solicita o arquivamento do processo, no que é atendido pelo Juiz Mario de Paula Fonseca no mesmo dia que junta seu parecer, em 7 de Abril de 1943.
            No jornal O Globo, de 12 de Agosto de 1943 encontra-se outra transcrição de um extenso parecer do mesmo Promotor, agora tratando do caso da médium Izabel Pimentel de Castro, presa aplicando passes. Começa referindo-se ao antigo Código Penal, nos seus artigos que podiam ser utilizados para enquadrarem as atividades dos espíritas. Depois, ressalta que
a nova lei não fala mais em “espiritismo”. Ora, manda a exegese entender, no caso vertente, que “se as duas leis regulam o mesmo assunto, e a nova não reproduz um dispositivo particular da anterior, considera-se este abrogado” (CARLOS MAXIMILIANO, “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 2ª edição, nº. 466, pag. 369).
Logo, o Código Penal em vigor, tendo sucedido à Consolidação, excluiu o espiritismo dentre aquilo que ele averba de crime. [39]

            Além disso, entende que “o poder público descurou o encargo de fixar as condições dentro das quais cumpre que a polícia acate a liberdade do pensamento espírita, como acata a de outros credos e a de outros grêmios.” [40] Num primeiro momento, chama a atenção para a modificação das leis penais, onde o espiritismo deixa de ser mencionado. O Promotor está escrevendo quase um ano depois da Portaria 8.363, de Setembro de 1942, que causou alguns embaraços às atividades dos espíritas, implicando algumas vezes o fechamento, provisório ou não, de alguns de seus núcleos. A dita liberdade de pensamento, associação e de culto, para os espíritas, era sempre ressaltada naqueles textos policiais. No texto apenas!
                                                                        Alcides Gentil
            Para o promotor, a materialidade do crime de curandeirismo só se daria quando o inquérito policial informasse se “a ‘substância’ ou o ‘gesto’, submetidos à perícia médica”,[41] eram considerados nocivos a integridade daquele que procurasse o acusado. Acredita assim, que esta argumentação seja o bastante para isentar a prática do passe de ser enquadrada como crime. Se não há comprovação do dano, por que punir a realização de passes? Faz uma crítica ao médico Leonídio Ribeiro, que invocava os rigores da lei para as práticas dos espíritas, quando este defende que “só o misticismo espírita produz casos de loucura. Esta inépcia é tão desmarcada, que repugna consumir com ela meu tempo [...].” [42]
            Analisando especificamente o caso da médium Izabel, autuada pela Polícia aplicando passes em uma pessoa, o Promotor entende que prendê-la por isso está incorreto. Para ele,
o ‘passe’ é um ato de fé, que ninguém tem a liberdade de escarnecer [...] depois, porque o espiritismo está excluído da repressão da lei vigente; e, enfim, porque dos autos não consta laudo médico, por onde se infira que esses ‘passes’ causaram dano à saúde de alguém, nem a Polícia registrou queixa contra a espírita que os ministrava. [43]

            Ressalta, ainda, que a consulente, ao depor, narrou que obtivera melhoras depois que recebera os passes. O juiz da causa entende que o artigo 284 do Código Penal poderia dar margem a diversas interpretações sobre o que seria o curandeirismo. Entende que no ritual das religiões existem gestos e palavras que poderiam ser aí classificados, mas que “sua aplicação em atos compreendidos nas fórmulas dedicadas à suavização da dor e dos sofrimentos humanos não devem de per si constituir um crime.” [44] Considera, então, que o processo não merece continuar, devendo ser arquivado.
            O caso não foi encerrado aí. O Jornal do Commércio de 4 de Fevereiro de 1944, numa publicação a pedido, traz o artigo “O Espiritismo e a Lei”, sobre um habeas-corpus denegado pelo Supremo Tribunal Federal em favor da médium Izabel, solicitado pelo não mais Promotor Alcides Gentil, a fim de que ela não responda o processo criminal. Cinqüenta e um dias depois do arquivamento do caso, o Procurador Geral da Justiça do Distrito Federal determinou que o Ministério Público oferecesse denúncia, “visto como havia surgido, contra o arquivamento, uma reclamação do Diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública.” [45] Para ele, “à luz dos ensinamentos de Bento de Farias e Câmara Leal, é tranqüila a certeza de que, uma vez arquivado o inquérito, a requerimento do M. P., SÓ MEDIANTE NOVA PROVA será lícito ressuscitá-lo [...].” [46] Para construir sua defesa, cita a argumentação do Desembargador José Duarte:
A apelante foi presa em flagrante, quando mediunizada ou manifestada, atendia a uma consulente, enferma, e lhe receitava um medicamento, assim como lhe dava passes, fazia gestos e lhe passava as mãos pela cabeça do doente, que se queixava de fortes dores. Não é isso absolutamente o espiritismo, ciência ou religião, porém pura mistificação, visando a exploração da gente crédula e facilmente sugestionável... [47]

            Alcides Gentil entende que existe, da parte do desembargador, o propósito de afastar do Espiritismo a prática do passe, postulando que não se trata de um ato de fé religiosa. Assim, defende que
para provar que o “passe” não é um ato de fé, inerente ao espiritismo, o Sr. Desembargador José Duarte devia trazer, não a sua dogmática, que é a de um leigo, ou a de um adversário, mas a palavra dos próceres dessa religião. Se esses próceres afirmam que o “passe” não é um ato da crença que abraçam, então não sofre dúvida que será um “crime”. Se o “passe”, porém, constitue um ato de fé espírita, à luz da doutrina dos seus apóstolos, não tem, bem se vê, nenhuma autoridade o Sr. Desembargador José Duarte para dizer o contrário.    [48]

            Alcides Gentil enxergava na intenção de atacar-se o passe o objetivo de se combater o Espiritismo. Naquele momento, entretanto, prevaleceu a tese de que o passe constituía um crime característico de curandeirismo. Ele defende que, em verdade, encontrava-se em jogo
um conflito econômico; uma luta em que, de um lado, se mancomunam os a quem o proselitismo religioso interessa, porque dá a ganhar, com os que também ganham, no exercício de sua atividade lucrativa, contra os que, de outro lado, fazem a bondade pelo dever íntimo de um ato de fé, sem remuneração. [49]

            Acompanha, de certa forma, o entendimento daqueles espíritas que escreveram em solidariedade a Inácio Bittencourt quando aponta as razões de interesse material dos que são contrários aos espíritas. Não consegui verificar o desdobramento deste processo. Considero que tenha sido bem difícil a médium retomar suas atividades, como fazia anteriormente. A partir desses processos – acompanhados com interesse pelos espíritas avaliando os desdobramentos de casos dessa natureza – é possível entender a recomendação da Liga Espírita do Brasil pela suspensão dos passes no início do ano de 1944, conforme mencionado. Não por acaso, são esses os recortes de jornais presentes nos arquivos das instituições pesquisadas. No imediato da decisão de se processar a médium, compreende-se a orientação dada pela Liga aos centros espíritas para a interrupção da prática. A argumentação jurídica utilizada pelo ex-Promotor poderia ser usada em algum eventual problema com que se deparassem os espíritas no exercício de suas atividades.
            Acredito que a análise acima pode gerar alguma dúvida com relação às expressões “processo” e “inquérito”, usadas na exposição deste caso. No primeiro momento, do arquivamento, acompanhei o texto do próprio Alcides Gentil, quando, ao tratar do caso de Izabel, se refere àquele primeiro caso, o da Tenda Espírita São Jerônimo, em 1943. Diz que “aos primeiros dias de abril do corrente ano, em outro processo mais ou menos idêntico, terminei por lhe pedir o arquivamento.” [50] O de Izabel era um e aquele era “outro processo.” Neste segundo momento, do habeas-corpus, é sugerido, pela leitura da transcrição da petição dirigida ao Supremo Tribunal Federal que se tratava de um inquérito policial que poderia se tornar um processo.
            Nos debates estabelecidos com setores da classe médica que atacavam suas práticas, alguns espíritas evitavam ser associados às religiões afro-brasileiras. Segundo Angélica Almeida, “estes médicos que combateram mais intensamente a doutrina espírita não realizaram qualquer tipo de diferenciação entra as práticas mediúnicas. Ao contrário, seus discursos enfatizavam de modo claro essa associação.”[51] Dessa forma, procuravam demonstrar para todos o que seria o verdadeiro Espiritismo. A autora menciona um artigo enviado pelo médico espírita Luiz de Góes, professor da Faculdade de Medicina de Recife, ao jornal Diário da Noite, no qual assim se pronuncia:
[...] para esclarecimento quero fazer de princípio uma distinção necessária: há Espiritismo e Espiritismo, se assim posso me expressar. O praticado por pessoas clarividentes, perfeitamente a par dos princípios religiosos, phylosophicos da doutrina kardeciana, incapazes de se submetterem a absurdos e de se perderem em crenças illusorias – este é o verdadeiro e único Espiritismo. O chamado “baixo Espiritismo” outrora adoptado, abusivamente nos nossos subúrbios, pelas baixas classes sociaes e cujas praticas ridículas a Secretaria de Segurança Pública cohibiu de todo, este é puro embuste, e não se pode chamar, verdadeiramente, Espiritismo. [...] Aliás, as medidas das autoridades attingiu certos meios e certas pessoas absolutamente idôneas e muito distanciados daquellas feitiçarias. [52]

            No esforço de esclarecer, acaba de certa forma, reproduzindo o preconceito contra aqueles que ele não identifica como espíritas, usando alguns termos pejorativos utilizados, em geral, contra os adeptos do Espiritismo pelos setores médicos que lhes são contrários. Outra estratégia que assumiram foi a de demonstrar “que os exemplos de reuniões que a maioria dos médicos utilizavam para definir como funcionavam as sessões mediúnicas e de cura não condiziam com o verdadeiro Espiritismo”, [53] quase como um desdobramento da primeira estratégia. Ressaltar sua identidade para fugir ao eventual “lugar comum” a que eram muitas vezes colocados, por desconhecimento daqueles que acusavam, ou mesmo por má intenção, para desqualificar.
            No trabalho de Flamarion Costa encontra-se a referência à criação, em 1941, através do médico Levindo Melo, da Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro. No seu estatuto consta que deveriam os associados “defender o Espiritismo, sempre no plano elevado do pensamento e de maneira impessoal, se atacado por cientista ou por instituto científico.”[54] Não encontrei maiores informações quanto à atuação desta sociedade, mas sem dúvidas, pelo menos no campo das intenções, foi um esforço interessante contra as investidas que recebiam daqueles que lhes eram contrários.
            O autor também menciona que em 1932, para enfrentar os eventuais processos judiciais, a Assembléia Espírita do Brasil organizou uma caixa de fundos para a defesa de médiuns, “constituída por cotas de cada uma das associações espíritas – agregadas ou não ao organismo federativo da Liga Espírita do Brasil – cotas que, pela forma que, ao seu livre arbítrio cada associação considerar acertado constituir [...].” [55] Não sei avaliar a eficácia da estratégia, se os Centros realmente contribuíram, se o apurado foi suficiente para atender aos eventuais processos que surgissem, além de se saber quanto tempo durou. De todo modo, é uma evidência do esforço de organização de espíritas na cidade para enfrentar os processos e outros mecanismos de pressão sobre médiuns e práticas espíritas.
            No cotidiano das relações com as forças policiais, alguns espíritas procuraram desenvolver com elas uma estratégia de boa convivência, além de demonstrarem as eventuais simpatias que alguns deles tivessem por elementos ligados ao governo. Na Assembléia Geral dos sócios do Grupo de Caridade Deus, Luz e Amor, por exemplo, realizada em 1° de Agosto de 1942, quando se encontrava presente o representante da Delegacia Especial de Ordem Política e Social, o presidente do Centro
propôs que seja realizada na próxima quinta-feira, dia 6 do corrente, uma Sessão especial, exclusivamente dedicada ao pronto restabelecimento do Sr. Presidente da República Dr. Getúlio Vargas, dando-se ciência disso por telegrama a S. Exa e anunciando pelo jornal A Vanguarda, órgão oficial do Grupo e invadir pela Hora Espírita, o que foi aprovado por toda Assembléia por unanimidade. Não havendo mais quem quisesse fazer uso da palavra, o Sr. Presidente pede um minuto de silêncio, em prol da paz mundial.”[56]

            Não descarto que existissem pessoas que, apesar de tudo que se vivia, tivessem apreço pelo presidente. Mas sem dúvidas que uma demonstração pública de preocupação com sua saúde e afeto por ele fosse muito oportuna naquele momento, principalmente na presença de uma autoridade policial. No ano seguinte, em 2 de Agosto de 1943, “por uma deferência especial, o Sr. Presidente convida para tomar parte na mesa o Sr. Representante da Ordem Política e Social, que agradecendo, declina no entanto do convite [...].”[57] Um ano depois, em 2 de Agosto de 1944 o convite é aceito e, ao final da reunião o presidente da Assembléia “agradece ainda a presença do Sr. Representante das autoridades policiais, para quem pede seja constatado em ata um voto de louvor [...].”[58] Não devia ser fácil lidar com a presença de um representante das autoridades numa reunião dessas. Entendo que da parte destes espíritas estava havendo o esforço por tornar aquela convivência forçada a melhor possível para todos, até para os homens da lei.
Alguns anos antes, em 24 de Janeiro de 1938, o presidente do Centro Família Espírita (Fé) Pedro Carvalho envia correspondência a Getúlio Vargas com a comunicação do diretor espiritual da instituição e médium, Mariano Rango D’Aragona sobre sua personalidade. Para ele
no momento histórico e premente que atravessa o nosso querido Brazil, é motivo de grande alegria para o Espiritismo receber a incluída comunicação do alto, que o nosso Centro vae a publicar em todos os jornaes espíritas nacionaes, como incitamento a auxiliar V. Ex. na árdua tarefa de Chefe do nosso paiz. [59]

            O autor da correspondência procura falar em nome do Espiritismo, como se todos os espíritas compartilhassem com ele a mesma opinião. Mas não deixa de ser-lhes favorável uma demonstração pública de respeito e consideração, quando poucos meses antes os Centros foram fechados pelas autoridades, sob a alegação de infiltração de elementos comunistas em suas atividades. Sob o título “O Homem Intermédio – Getúlio Vargas”, o presidente é apresentado pelo médium com palavras evidentemente elogiosas. O mundo o observaria atentamente, na expectativa de um “novo rumo social”. [60]  Considera-o “chefe de uma escola de democracia, de trabalho, de honestidade pública e privada, de liberdade de religião e de igualdade, almeja o pão para todos [...].” [61] Mariano também lança mão da generalização quando diz que
Nós, espiritualistas, sentimos por elle a verdadeira admiração que se deve á creatura harmônica, concentrada no bem pelo bem: exemplo de liberdade e de justiça, dentro e fóra da nação.
E havemos de o defender com os meios pacíficos da prece e da propaganda dentro dos milhares dos nossos Centros espalhados pelo Brasil – baluartes da nova consciência nacional. [62]

            Um ditador democrático foi uma contradição curiosa, mas utilizada por quem estava interessado em ser agradável. A referência à liberdade religiosa, nesta altura do trabalho, também pode soar irônica, mas era a posição daquele que a defendeu. Ao fazê-lo, tornando público seu escrito, tinha a intenção de atrair a simpatia das autoridades para a causa que abraçava ou, ao menos, amenizar uma eventual imagem ruim dos espíritas.  Não por acaso, num folheto que enviam em anexo consta, logo abaixo do nome da instituição, a informação de que se tratava de um Centro legalmente constituído. Acredito que ao divulgar seus pensamentos, procurava igualmente, marcar posição para a sociedade, de maneira geral, fazendo soar estranha para a maioria as tentativas de reprimir as atividades doutrinárias desenvolvidas pelos adeptos do Espiritismo.
            Emerson Giumbelli aponta que a FEB também procurou manter contatos com a Chefatura de Polícia a fim de “amenizar as restrições impostas aos Centros.”[63] Foram organizadas duas comissões, uma em Novembro de 1943, um pouco depois da Portaria 10.194, de Outubro daquele ano. O segundo encontro foi divulgado pelo Reformador de Março de 1945:
“Diário de Notícias”, “Vanguarda” e outros jornais publicaram, em seus números de 21 de Março do corrente ano, que foram recebidos pelo Sr. Ministro João Alberto, Chefe de Polícia do Departamento Nacional de Segurança Pública, os Srs. Tenente Coronel Roberto Michelena, presidente da Federação Espírita do Rio Grande do Sul; Wantuil de Freitas e Rocha Garcia, diretores da Federação Espírita Brasileira.
“Reformador” informa os seus leitores de que os confrades mencionados estiveram, realmente, em conferência com o Sr. Ministro João Alberto, com quem trataram de assuntos referentes a liberdade de os espíritas se reunirem, sem as restrições das portarias existentes desde há alguns anos. [64]

            No mês seguinte, o periódico traz publicado o texto de outra Portaria da Polícia, expedida em 5 de Abril de 1945. Não encontrei a referência ao seu número.
Considerando que os imperativos de ordem jurídica impõem a necessidade de assegurar a mais ampla liberdade de todos os cultos;
Considerando que os Centros espíritas, em geral, vêm colaborando eficazmente com as autoridades policiais na ação repressiva por esta desenvolvida contra os exploradores da credulidade pública, sempre que os mesmos infringem disposição do direito comum, resolvo, usando da atribuição que me confere o Art. 200, do regulamento baixado pelo Decreto 17.905, de 17 de Fevereiro de 1945, revogar a Portaria 10.194, publicada no boletim 237, de 10 de Outubro de 1943.    [65]

            Pouco mais de um ano após a última Portaria que restringia as atividades dos espíritas, os entendimentos com as autoridades surtem o efeito que espíritas esperavam. Podiam os espíritas agir com um pouco mais de liberdade. A despeito da revogação, vale recordar que alguns anos depois no início da década de 1950, como foi exposto no segundo capítulo, algumas instituições espíritas precisavam atender exigências semelhantes àquelas da Portaria publicada em Abril de 1941 para conseguir funcionar. Além das informações prestadas por diversas Delegacias, os diretores teriam que comprovar que eram pessoas idôneas, sem antecedentes criminais ou políticos indesejáveis. O texto daquela Portaria que fora revogada eu não consegui recuperar, apenas o seu registro no Diário da Noite de 15 de Outubro de 1943. A presença de menores, pelo que apurei nos anos posteriores, também não era de todo garantida, havendo, de tempos em tempos, discussões entre os espíritas quanto à presença destes nas reuniões, até a década de 1960. O benefício mais imediato que pude apurar foi o fato de não mais encontrar referências a presença de autoridades policiais nas reuniões dos associados dos Centros espíritas. O Reformador de Abril de 1945 nos traz ainda um registro da fala de João Alberto:
É ainda em coerência com o espírito de ampla liberdade de culto e reunião – acrescentou o Chefe de Polícia, que acabo de baixar portaria revogando tôdas as restrições até agora existentes para o exercício do Espiritismo. As federações e sociedades espíritas poderão funcionar livremente, sem o constrangimento da ação policial e cerceamento das liberdades asseguradas às associações de classe e agrupamentos políticos.
É claro que dentro dessas liberdades não estão incluídas as práticas do baixo Espiritismo e suas explorações características. A essês, a Polícia manterá a mesma enérgica repressão. [66]

            Ao manifestar a intenção de “assegurar a mais ampla liberdade de todos os cultos”, a Polícia reconheceu que a liberdade de crença sofrera limites até então, apesar de toda aquela retórica que dizia lhe assegurar, principalmente no texto da Portaria 8.363 de Setembro de 1942. Chama atenção, no entanto, quando é dito que os espíritas estavam colaborando com as autoridades no que respeita ao combate dos exploradores da credulidade pública. De que maneira teria se dado essa colaboração, naquele momento específico? Será que ela se deu, de fato? Em momentos anteriores, como foi apresentado, a FEB cooperou enviando relações de Centros espíritas a ela filiados, uma delas utilizada para a elaboração daquele relatório sobre as forças religiosas. Isto se deu, também, em outros momentos anteriores.[67]
            Emerson Giumbelli entende que
o ‘baixo espiritismo’ designa situações nas quais se pretende enganar, tirar proveito pecuniário ou mesmo, como afirmam alguns peritos, causar mal a outrem. Com o tempo, o que ocorreu foi uma identificação entre ‘macumba’, ‘candomblé’ e ‘magia negra’, por um lado, e, por outro, ‘baixo espiritismo’, de modo a confundir fundo e forma e a relacionar expressões rituais e doutrinárias com o embuste, a exploração e a vontade de causar prejuízos. [68]

            A Portaria de Abril de 1945, de certa forma, representou uma vitória para os espíritas. Entretanto, a continuidade da referência ao “baixo Espiritismo” deixa algumas possibilidades no ar. Será que instituições que se assumiam como espíritas e que, em suas práticas, se utilizavam de elementos das religiões afro-brasileiras não poderiam ser enquadradas naquela “enérgica repressão” que continuaria? Em que medida os aparatos policiais não se valeram do termo para reprimirem atividades desenvolvidas por alguns espíritas? Se por um lado sinaliza-se que a repressão cessou, por outro se deixa esta brecha para eventual enquadramento de atividades de alguns centros, sob alegação de que não se tratavam de práticas espíritas, e sim daquelas do baixo Espiritismo. Não é que não fossem espíritas – estou certo que muitos se declaravam assim – mas era o “Espiritismo condenável”, inclusive pelos espíritas que se julgavam mais intelectualizados, cultos, bons seguidores da Doutrina enquanto os do ‘baixo’ não lêem tanto, misturam elementos de várias religiões diferentes, preocupam-se mais com sofrimentos do corpo e até são acusados de cobrar por receitas. Uma questão que pode ter se colocado para os adeptos da Doutrina Espírita era a de definirem com clareza o que cada grupo julgava legítimo em termos da Doutrina e práticas espíritas e as divulgarem.
                                                                      Wantuil de Freitas
                                                                                                  João Alberto
            Ainda no Reformador de Abril de 1945, encontra-se noticiada uma reunião realizada na sede da FEB com o objetivo de se prestar esclarecimentos e informações aos responsáveis por Centros espíritas do Rio de Janeiro. Eis o que consta:
Depois de dar ciência aos presentes das providências tomadas junto ao Ministro João Alberto, Chefe do Departamento Federal de Segurança Pública, para restituir ao Espiritismo a liberdade que assegura a Constituição, o Sr. Wantuil de Freitas realçou as normas que todos devem seguir para melhor usufruírem os benefícios da Portaria recentemente baixada. Ponderou a necessidade de serem cada vez mais rigorosamente observados os pontos doutrinários do Espiritismo, como religião que é, além de ciência e filosofia. [69]

As normas que no entendimento dele todos deveriam seguir foram sugeridas pela autoridade ou pelo presidente da FEB mesmo? Parece-me que elas têm relação com a observância dos “pontos doutrinários do Espiritismo.” Voltamos à questão abordada no primeiro capítulo, a da uniformidade de práticas dos espíritas, recomendada e buscada pela Liga Espírita do Brasil. O tema estava na pauta da FEB há algum tempo sendo, com sistematicidade, retomado no ano de 1947, com a publicação do livro “Organização Federativa do Espiritismo.” Ao tratarem das regras que deveriam ser observadas, junto com o que dispõe o regulamento de adesão das instituições espíritas à FEB, os autores entendem que
a existência da uniformidade e do acordo de que acima se fala, pela fiel observância das Prescrições de que aqui se trata, além de constituir a mais completa e eficiente demonstração de que absoluta identidade de vistas e perfeita solidariedade cristã alicerçam aquela organização, colocará as Associações adesas, até certo ponto, a coberto de qualquer ação repressiva e facultará à Federação a certeza da falta de fundamento dessa ação, caso venha, apesar de tudo, a ser exercida, o que facilitará sobremaneira à mesma Federação assumir a atitude que lhe compete, em defesa da Sociedade Alvejada. [70]

A uniformidade de práticas, além de permitir a demonstração de unidade de objetivos e força da FEB, era funcional para os casos em que fosse necessária a defesa de alguma instituição atacada, uma vez que, em tese, se saberia de que forma eram desenvolvidos os trabalhos daquele Centro. Grosso modo, as recomendações da FEB eram pela não realização de reuniões mediúnicas em sessões públicas ou muito numerosas, por ser mais difícil o recolhimento que seria necessário ao médium, além de, no meu entender, não se tornar uma atividade espetaculosa, capaz de impressionar ou impactar a quem a assistisse. Além disso
Os conselhos mediúnicos, pessoais, jamais serão dados pùblicamente, isto é, achando-se o médium ou médiuns em lugar de fácil acesso ao primeiro que se apresente. Recomendando o Evangelho, como virtude, a prudência; e atentas as perseguições que, de quando em quando, se desencadeiam contra os médiuns, sob falsa imputação de exercício ilegal da Medicina, deverão estes atender aos que os procurem, em salas ou gabinetes onde só entrem os a quem isso for permitido. Dessa forma, além de evitarem surpresas e vexames, estarão, pelo isolamento, em melhores condições para se concentrarem, como é indispensável para que o façam nessas ocasiões [...][71]

O isolamento dificultaria que pessoas mal intencionadas pudessem fazer observações para fundamentar as eventuais acusações que estes espíritas temiam. Seriam eliminadas também possíveis testemunhas, com um atendimento mais individualizado. Pode-se perceber também que em 1947, pouco depois daquela Portaria policial que lhes foi favorável, os espíritas da FEB ainda levam em conta os riscos de sofrerem repressão em suas atividades doutrinárias.
As entidades de caráter federativo, pelo que se pode observar, tomavam a si a tarefa de auxiliarem as suas filiadas, esclarecendo-as ou tomando para si a responsabilidade de defendê-las em eventuais dificuldades postas pela atuação das autoridades. Não por acaso o Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil[72] registrou um aumento na média de agregações de Centros espíritas entre os anos de 1940 e 1945. Neste período, 36 instituições da cidade do Rio de Janeiro vincularam-se a ela passando a contar com assistência jurídica e aquelas informações transmitidas por circulares.
Os espíritas, assim, procuraram fazer frente às dificuldades que lhes eram postas pelos aparatos estatais a fim de gozarem o direito de exercerem sua crença.


[1] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata da Reunião Ordinária da Diretoria. Rio de Janeiro, 16 de Março de 1943, pp. 18-19.
[2] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Livro de Registro de Médiuns. Rio de Janeiro, 1943, p. 1.
[3] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata da Reunião Ordinária da Diretoria. Rio de Janeiro, 7 de Janeiro de 1943, pp. 9-10.
[4] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Relação de novos médiuns. Rio de Janeiro, 1943.
[5] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Livro de Registro de Médiuns. Rio de Janeiro, 1943, p. 48.
[6] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Centro Família Espírita (Fé) à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1940.
[7] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Centro Espírita Guia, Luz e Esperança à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942. Ata da Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 2 de Outubro de 1942, p. 1.
[8] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Correspondência do Grupo Espírita Santíssimo Nome de Jesus à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942. 
[9] Idem.
[10] Idem.
[11] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Centro Espírita Coração de Jesus à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1943. Correspondência à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1945.
[12] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Carta de Agregação do Centro Espírita Coração de Jesus à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1943. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 6 de Janeiro de 1943, p. 1.
[13] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 12 de Fevereiro de 1941, p. 53.
[14] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 13 de Agosto de 1941, p. 62.
[15] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 11 de Novembro de 1942, p. 83 v.
[16] CENTRO ESPÍRITA AMOR, CARIDADE E ESPERANÇA. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 2 de Fevereiro de 1943, p. 15.
[17] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 23 de Outubro de 1941, pp. 64 v-65.
[18] “A ação da Liga Espírita do Brasil em favor da prática do Espiritismo.” Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 7 de Março de 1942, p. 1. Citado por COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit. pp. 137-138, nota n° 449.
[19] Idem.
[20] Idem.
[21] Idem.
[22] Idem.
[23] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de Novembro de 1937. Art. 112, parágrafo 4º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao37.htm Último acesso em: 25 de Maio de 2010.
[24] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de Novembro de 1937. Art. 112, parágrafo 9º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao37.htm Último acesso em: 25 de Maio de 2010.
[25] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 15 de Janeiro de 1942, p. 70 v.
[26] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 16 de Março de 1944, p. 104.
[27] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit., p. 261.
[28] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 17 de Setembro de 1936, pp. 7 v-8.
[29] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Reunião Ordinária de Diretoria. Rio de Janeiro, 12 de Janeiro de 1939, pp. 10 v-11. Grifos meus.
[30] LIMA, Antonio. “Correio Espírita”. 13 de Maio de 1937. Recorte sem referência do periódico. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.
[31] Idem.
[32] Idem.
[33] PINTO, Ricardo. “Crime de fazer bem.” Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1937.
[34] MENDES, Indalicio. “Dois mil anos de atrazo espiritual...” Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 30 de Maio de 1937. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.
[35] CHRYSANTÈME. “O benemérito Inácio Bittencourt.” Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 16 de Maio de 1937. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.
[36] “A mediunidade, o Código e a Justiça – Não é o primeiro flagrante”. Diário de Noticias. Rio de Janeiro, 4 de Julho de 1943. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.
[37] Idem.
[38] Idem.
[39] “Praticar o Espiritismo não é crime. A mediunidade, o código penal e a justiça.” O Globo. Rio de Janeiro, 12 de Agosto de 1943. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.
[40] Idem.
[41] Idem.
[42] Idem.
[43] Idem.
[44] Idem.
[45] GENTIL, Alcides. “O espiritismo e a lei.” Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 4 de Fevereiro de 1944. Pasta de recortes localizada no Conselho Espírita do Estado do Rio de Janeiro.
[46] Idem.
[47] Idem.
[48] Idem.
[49] Idem.
[50] “Praticar o Espiritismo não é crime. A mediunidade, o código penal e a justiça.” O Globo. Rio de Janeiro, 12 de Agosto de 1943. Pasta de recortes localizado no Centro Espírita Amor, Caridade e Esperança.
[51] ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit. p. 141.
[52] GÓES, Luiz. Diário da Noite. Rio de Janeiro, 1939. Citado por: ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit., p. 142.
[53] ALMEIDA, Angélica Aparecida Silva. Uma Fábrica de Loucos, op. cit., p. 142.
[54] “Estatuto da Sociedade de Medicina e Espiritismo do Rio de Janeiro.” Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 28 de Junho de 1941, p. 3. Citado por COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit. p. 142, nota n° 461.
[55] “Assembléia Espírita do Brasil. Proteção aos Médiuns.” Mundo Espírita. Rio de Janeiro, 28 de Junho de 1932, p. 1. Citado por COSTA, Flamarion Laba. Demônios e Anjos, op. cit., p. 136.
[56] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 1° de Agosto de 1942, pp. 28-28v.
[57] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 2 de Agosto de 1943, pp. 29-29v.
[58] GRUPO DE CARIDADE DEUS, LUZ E AMOR. Ata da Assembléia Geral Ordinária. Rio de Janeiro, 2 de Agosto de 1944, p. 34 v. 
[59] CPDOC-FGV. Arquivo pessoal Getúlio Vargas. Carta de Pedro Carvalho a Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 1938.
[60] Idem.
[61] Idem.
[62] Idem.
[63] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit. p. 262.
[64] “Na chefatura da polícia.” Reformador. Rio de Janeiro, Março 1945, p. 71.
[65] “Na chefatura da polícia.” Reformador. Rio de Janeiro, Abril 1945 p, 94.
[66] “Na chefatura da polícia.” Reformador. Rio de Janeiro, Abril 1945 p, 94.
[67] “Em agosto de 1927, o delegado Augusto Mendes, incumbido pela Chefatura de Polícia da repressão às práticas de ‘baixo espiritismo’, procura a FEB para solicitar-lhe que oriente suas filiadas quanto à realização de sessões públicas e a manutenção de atividades curandeirísticas.” GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit., p. 257.
[68] GIUMBELLI, Emerson. O Cuidado dos mortos, op. cit., p. 227.
[69] “Importante reunião realizada na Federação Espírita Brasileira”. Reformador. Rio de Janeiro, Abril 1945, pp. 89-90. Grifos meus.
[70] FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Organização Federativa do Espiritismo. Rio de Janeiro, 1947, pp. 38-39. Grifos meus.
[71] FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA. Organização Federativa do Espiritismo, op. cit. p. 35.
[72] CONSELHO ESPÍRITA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Livro de Registro das Associações Agregadas à Liga Espírita do Brasil. Rio de Janeiro, 1942.

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